sexta-feira, junho 30, 2006

EUNICE MUÑOZ:
“MISS DAISY” EM OEIRAS

“Driving Miss Daisy”, em português apenas “Miss Daisy”, começou por ser uma peça de Alfred Uhry, que a adaptou depois ao cinema, em 1989, para Bruce Beresford, um australiano a trabalhar em Hollywood, dirigir, com três excelentes actores nos principais papeis: Jessica Tandy, em Daisy Werthan, Morgan Freeman, no seu motorista particular, Hoke Colburn, e Dan Aykroyd, no filho de Daisy, Boolie Werthan:
A peça, que ganhou o Prémio Pulitzer, fala de uma velha senhora judia, que depois de um acidente aparatoso, quando conduzia o seu belo Packard de estimação, é obrigada pelo filho a responder a um dilema de difícil resolução para si: ou aceita um motorista para a conduzir nas suas viagens pela cidade, compras, ida à sinagoga, visita a familiares, ou deixa de sair de carro. Com os seus 72 anos, Miss Daisy não quer admitir o inevitável, protesta, barafusta, recusa, mas acaba por aceitar os préstimos de Hoke Colburn, um negro, igualmente já de certa idade, que o filho contrata. É conveniente acrescentar que estamos nos Estados Unidos da América, em fim da década de 40, no Sul tradicionalmente racista, e que a senhora não é o cúmulo de boa vontade nem de amabilidade. As relações entre ambos são, a princípio, obviamente, conflituosas, mas vão evoluindo gradualmente para uma aproximação, ao longo de duas décadas (a peça decorre entre 1948 e 1972), acabando mesmo no reconhecimento de uma amizade de todo em todo previsível de início. A amizade entre Daisy e Hoke não resulta apenas de um mero choradinho sentimental, tipo velha resmungona ultrapassa preconceitos raciais e acaba amiga de velho chauffer, mas há algo mais a unir estas duas personagens: o preconceito racista é vivido por ambos, ela como judia, ainda que rica (apesar de nunca o aceitar), ele como negro, e pobre (apesar de saber negociar muito bem os seus honorários, conseguir comprar um velho automóvel, e ter a neta, nas cenas finais da peça, já como professora universitária). Ao longo de duas décadas, vão burilando diferenças e aconchegando proximidades. Ao longo de duas décadas, com delicadeza e sensibilidade, sem demagogias mas com uma austeridade de processos de realçar, a peça (e o filme) foi oferendo o desenrolar de uma evolução no interior dos EUA, com alguns factos políticos a pontuar a acção (por exemplo: o célebre discurso de Martin Luther King “Eu tive um Sonho” e a ressonância dos tiros que o tentaram calar para sempre).
A peça é uma obra interessante, bem construída, permitindo bons trabalhos de actores. No filme, Jessica Tandy era notável (ganhando o Óscar de Melhor Actriz), mas também Morgan Freeman, Dan Aykroyd, nomeados, e Patti LuPone (para quem o dramaturgo arranjou de propósito um papel, Florine Werthan), merecem todos os encómios.
Pois foi esta peça que agora se estreou (dia 29 de Junho e vai estar em cena só até 15 de Julho) no Auditório Eunice Munoz, em Oeiras, com Eunice Munoz, ao lado de Thiago Justino e Guilherme Filipe, numa encenação de Celso Cleto, com cenários e figurinos de José Costa Reis. O resultado é globalmente muito bom, nem outra coisa seria de esperar de tal equipa, ainda que uma ou outra aresta possa vir a ser limada com o decorrer da rodagem. Na triunfal noite de estreia, a peça arrastou-se um pouco no seu ritmo, e há um aspecto de que não gostei mesmo nada (a sonoplastia, com uma banda sonora demasiado repetitiva, e um tratamento técnico onde faltam fade in e fade out). De resto, o cenário e figurinos de José Costa Reis são eficazes e de bom gosto (o carro funciona bem) e a encenação de Celso Cleto discreta e atenta sobretudo ao trabalho dos actores, que aqui era o essencial, e funciona muito bem. Este quase apagamento da encenação é uma virtude de quem sabe o que fazer e não pretende colocar-se em bicos de pés, para ser notado.
Quanto aos actores, Eunice é como sempre brilhante, agora (e finalmente!) na casa que tem o seu nome. Não tenta copiar Jessica Tandy, constrói uma Miss Daisy sua e acertou por completo no registo. Mesmo quando tem uma “branca” (o que é normal, sobretudo numa noite de estreia), Eunice dá a volta por cima, cria uma pausa, saboreia uma palavra, inventa um gesto ou uma expressão, e continua como um verdadeiro animal de palco, alguém que nunca perde os espectadores do seu comando, que os leva habilmente onde os quer bem dominados. A invenção e a tarimba, mas sobretudo o talento nato e a experiência de palco fazem desta mulher uma diva que dá gosto ver e rever. Que saudades Eunice, do nosso trabalho na “Manhã Submersa”!
Thiago Justino tinha um belo desafio pela frente. Morgan Freeman é um actor fabuloso, e Thiago não lhe fica atrás. O seu motorista é brilhante. Também Guilherme Filipe vai muito bem, discreto, sóbrio, mas necessariamente presente quando é necessário.
Resumindo: um bom espectáculo, numa sala de teatro recuperada para os grandes acontecimentos, com Isaltino Morais a regressar aos bons velhos tempos da sua Oeiras a dar cartas, desta feita numa estreia com cheirinho a grande gala. Uma bela noite de teatro, e já agora, entrando na coluna VIP, com um público a condizer: agradecido a Eunice, rendido ao que se passava no palco, e bonito na plateia.

quinta-feira, junho 29, 2006

TERESA SÁ (again)


Recebi da Teresa Sá esta nota e fiquei surpreendido.
Então eu não havia já dito que que és muito boa fotógrafa?
É preciso dizerem os ingleses?
Enfim, um beijo de parabéns e continua sempre. Afinal o Prémio de há uns anos no Porto foi merecido...

Teresa Sá has sent you a link to a weblog:
o meu site foi selecionado entre muitos num site de fotografia ingles, estou doida de alegria!
Blog: raspberriesandbedroomsPost: gommaLink:
http://raspberriesandbedrooms.blogspot.com/2006/06/gomma.html

Para ver, o melhor é este, directo a Teresa Sá:
http://www.gommamag.com/v3/index.html

Em 2004, no CineEco, apresentamos uma exposição de Teresa Sá. Os textos aparecidos foram estes:
TERESA SÁ
O cinema é fotografias em movimento. Uma mentira. As fotografias não se movimentam. É um vício de visão que permite essa aparência. Uma ilusão. A fotografia também pode tentar captar a ilusão do movimento do cinema. Uma mentira, como tantas outras em arte. Da mentira se alimenta a ilusão, da ilusão se alimenta a arte. Desta ilusão se alimenta Teresa Sá quando tenta nas suas fotografias fixar o movimento de filmes que viu e ama. Uma ilusão que passa pelo seu corpo, afinal o seu grande tema, obsessiva, na linha de muitos outros artistas como Cindy Sherman, por exemplo, óbvia influência do seu trabalho. Como tantos outros pintores, escultores, fotógrafos, performers que utilizam o próprio corpo para matéria plástica das suas obras. Teresa Sá faz passar por si a imagem (a carne e o sangue) e a recordações de outras imagens (cinematográficas) em muitos dos seus trabalhos. Com resultados por vezes perturbantes, por vezes extremamente interessantes. Um percurso a acompanhar de futuro. Em que apostamos, desde já. Lauro António

As fotografias de cinema sempre me comoveram.
Não sei ao certo se pela luminosidade, se pelo que estava por detrás de cada gesto ou cada pose. O certo é que as imagens de filmes andaram sempre pela minha cabeça.
Utilizando a fisicalidade do corpo que me está mais disponível (o meu), desdobro-me, falsifico-me, até encontrar a esperada emotividade que quero atirar cá para fora.
Algumas destas imagens que apresento são o resultado de uma intensa investigação, outras nasceram naquele mágico momento em que se pressionou o disparador.
Entre 1999 e 2004, todas traduzem o amor do cinema e da representação. Teresa Sá

quarta-feira, junho 28, 2006

Workshops AVANCA’06


AVANCA 2006 Encontros Internacionais de Cinema, Televisão, Vídeo e Multimédia International Meeting of Cinema, Television, Video and Multimedia 26 a 30 de Julho 2006 / 26 - 30 July, 2006

10 workshops comemoram as 10 edições do AVANCA!
10 workshops will celebrate 10 AVANCA's editions!
24 especialistas do cinema e do audiovisual contemporâneo, autores de reconhecida obra, orientam 10 workshops no AVANCA'06
24 specialists from the contemporaneous cinema and audiovisual, authors of recognized works, will direct 10 different workshops in the AVANCA'06

Entretanto, a mais recente e inédita produção mundial de cinema e audiovisuais estará em competição. Este ano inscreveram-se 64 países!
Meanwhile, the most recent world production in cinema and audiovisual will be on competition. This year, 64 countries have registered for our international competition.


1 - “Cinema e pintura – um espaço criativo para protagonistas”
A prática do cinema e da pintura como artes onde se contam histórias de protagonistas. O filme “Topor et moi” é o ponto de partida de todo o trabalho criativo previsto.

Orientador - Sylvia Kristel (Holanda)
A actriz Sylvia Kristel protagonizou nos anos 70 a mais célebre personagem do cinema erótico europeu, êxito rapidamente transposto para a escala global num dos raros momentos em que o cinema europeu ocupou o lugar cimeiro da exibição cinematográfica, bem longe de todas as restantes cinematografias, nomeadamente a americana.
A personagem “Emmanuelle” deu origem a uma sequela de filmes, o primeiro realizado por Just Jaekin, que consolidando um género cinematográfico, são a sua maior expressão.
Sylvia Kristel protagonizou e participou em mais de meia centena de filmes, incluindo “Alice” de Claude Chabrol onde tem uma das suas melhores interpretações.
Nos últimos anos, tem participado sobretudo em produções holandesas, nomeadamente com Dorna van Rouveroy e Ruud den Drijver, produtor da sua primeira incursão na realização.
A pintura acompanhou-a desde Paris, onde RolandTopor lhe deu aulas de pintura e que em parte inspira o seu filme “Topor et moi”.
Sendo este o seu primeiro filme enquanto realizadora, é sobretudo uma obra que junta a pintura e o cinema para recriar a memória da cena artística de Paris no início da sua carreira interpretando “Emmanuelle”. Hugo Claus, W.F.Hermans e outros, ganham vida na pintura de Sylvia Kristel e depois no seu filme e na animação.
Kristel ultima a sua autobiografia que deverá chegar em breve às livrarias.

Orientador - Ruud den Drijver (Holanda)
Autor e produtor, Ruud den Drijver é autor de vários argumentos dos quais produziu a maior parte dos respectivos filmes.
Realizou alguns filmes, como “Tintin in the land of dreams”.
Fundador da “Cineventura”, tem participado na produção de vários projectos de ficção e animação. Produziu várias longas-metragens do polémico realizador holandês Pim de la Parra, mas também de Dorna van Rouveroy, Robbe De Hert e David S. Jackson. Produziu animação de Juan de Graaf, Hisko Hulsing, Milan Hulsing, Hans Richter e o filme de estreia na realização de Sylvia Kristel.
Os seus filmes têm tido distribuição mundial, em mais de 50 países.

Coordenador – Quinta Ferreira
Docente no Instituto Politécnico do Porto no curso de tecnologia da comunicação audiovisual, onde é assessor da coordenação e director da especialidade de vídeo. Foi igualmente docente e director académico da ESAP. Lecciona cadeiras de produção audiovisual e mantém uma constante ligação à produção audiovisual do norte do país.


2 - “Desenvolver projectos de animação para ou de adultos”
A animação de adultos é um espaço único e livre onde toda a criatividade é bem vinda. Mas desenvolver na prática projectos de animação será um desafio criativo arriscado?


Orientador – Picha (Bélgica)
Nasceu em 1942 em Bruxelas e o seu nome é Jean-Paul Walravens.
Mestre do desenho animado satírico e provocador, Picha é o nome maior do cinema de animação para adultos, sendo autor dos maiores sucessos mundiais de bilheteira com longas-metragens de animação que ele diz serem “de adultos”.
Em 1975 a sua primeira longa-metragem “Tarzoon, a vergonha da selva” enche salas de cinema em todo o mundo e também em Portugal onde o tempo da Revolução de Abril abraçou este filme burlesco que ataca tabus como o militarismo, o racismo, a virilidade, os clichés ecológicos, o espirito de revolta dos anos 60, partindo do mito do “herói da selva”. A voz de Tarzoon foi interpretada e gravada em New York por Johnny Weissmuller Jr., por sugestão do pai, interprete incontornável de “Tarzan”.
Já nos anos 80, Picha realiza “Le Chaînon Manquant” com o qual ganha o Prémio da Fundação Philip Morris para o cinema e sobretudo de forma inédita, integra o selecção oficial do Festival de Cannes. Em 87 realiza a longa-metragem “Big-Bang”.
Com uma filmografia onde se incluem várias séries televisivas de animação e spots publicitários, Picha termina a sua nova longa-metragem “Blanche-Niege, la suite”, uma co-produção que reúne vários países europeus e que parece ser a sequela da “Branca de Neve” que Hollywood nunca ousaria fazer.
Caricaturista, desenvolveu colaborações diversas com desenhos publicados na imprensa belga e estrangeira como a revista satírica “Pan”, “Hara Kiri” em França e “Times Magazine” nos Estados Unidos.

Coordenador – Pedro Monteiro
Com formação em Direito, Estudos Europeus e Sociologia, é diplomata no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Autor, publicou com Rodrigo Monteiro “Novíssima cartilha ilustrada – (des)aprender a ler e a escrever” e “Novíssimo livro de leitura – 1ª à 4ª classes e classe operária”. Autor do site humorístico “A velhinha Jeová”.

Coordenador – Rui Cardoso
Formado em Design de Comunicação pela FBA da Universidade do Porto, é designer e ilustrador, várias vezes premiado. Ilustrou o livro “Novíssima cartilha ilustrada – (des)aprender a ler e a escrever” e tem leccionado no DeCA da Universidade de Aveiro.


3 - “A direcção do trabalho do actor”
A análise e a prática do trabalho do actor e da direcção do seu trabalho no cinema contemporâneo. Para actores e realizadores.

Orientador – Szabolcs Hajdu (Hungria)
Nasceu em 1972 em Debrecen.
Com uma carreira como actor nos anos 90, Hajdu é hoje um dos mais brilhantes realizadores húngaros da nova geração. Com 34 anos, Hajdu realizou três longas-metragens em seis anos, tendo já as duas primeiras arrecadado prémios em variadíssimos festivais.
Hajdu venceu o Prémio Longa-Metragem no AVANCA’05 com o brilhante filme TAMARA, posteriormente exibido um pouco por todo o mundo.
Entretanto, o seu novo filme WHITE PALMS foi seleccionado para a “Quinzaine des Réalisateurs” do Festival de Cannes 2006, onde teve a sua estreia internacional.
Prémio do melhor actor no Festival de Gijón (Espanha) de 1994, Hajdu trabalhou como actor em cerca de uma dúzia de filmes até 2003, percurso que deixa claras marcas no seu trabalho de realização.

Coordenador – Filipe Pereira
Performer, director de teatro, estudou e trabalhou em várias partes do mundo. Fundou e dirige o “Acto – Instituto de Arte Dramática”. Concebeu e dirigiu o Festival ESTA (1999 / 2004).


4 - “Ficção ou documentário? Tanto faz... realizar um documentário e espreitar os temas ilegais do audiovisual”
A prática da realização de um documentário em três dias e a necessidade de ir sempre ao cinema com um advogado... (bases jurídicas e legais necessárias para produtores e realizadores).

Orientador – Enrique Nicanor (Espanha)
Realizador, argumentista e produtor, trabalhou em Cuba, França, EUA e Espanha.
Foi director do segundo canal da TVE (televisão pública espanhola), onde tinha sido realizador. Assessor da direcção da ETB (televisão do País Vasco), especialista e chefe de estudos do EAVE do Programa MEDIA e secretário geral e dirigente do INPUT (organização internacional de televisão pública).
Actualmente é director do curso de pós-graduação MASTERCAM na “ECAM – Escuela de Cine y del Audiovisual de Madrid”.
Em 1988, pelo seu trabalho em televisão, recebeu o Prémio ONDAS e em 2005 a “Academia Galega del Audiovisual” distingui-o com a “Medalla de Oro”.
Produziu e realizou vários documentários, nomeadamente a série “Las reglas del juego” e o documentário “F.G.Lorca, retrato de família”, na sua maioria produzidos para a TVE, ARTE e Discovery Channel.
Vários destes filmes foram produzidos pela “Sunset United Media” que fundou em 1989.

Orientador – Cayetana Mulero (Espanha)
Advogada, é especialista em direito audiovisual.
Responsável pela consultoria legal na “Sunset United Media” em Madrid, Mulero foi assessora jurídica do Instituto da Mulher, do Ministério da Cultura de Espanha, do EAVE do Programa Comunitário MEDIA e do programa europeu de formação e desenvolvimento audiovisual para os países da União Europeia.
Desde 1999 é professora de direito audiovisual na “ECAM – Escuela de Cine y del Audiovisual de Madrid” e no curso de pós-graduação MASTERCAM da mesma escola de ensino superior. É também professora e assessora de direito audiovisual na “PARSONS School of Design” de New York, no seu pólo da República Dominicana.

Coordenador – Acácio Carreira
Professor e documentarista. Formado em educação pela arte no Conservatório Nacional e cinema documental na VARAN (Paris), formou crianças e professores em Portugal e Moçambique (Nampula), tendo construído uma obra videográfica onde o teatro, a literatura e as pessoas são uma constante.


5 - “Captar e tratar o som directo do cinema e do vídeo digital”
Os equipamentos e as técnicas de captação de som directo, com vista à utilização no cinema e no vídeo digital, optimizando a qualidade do som recolhido, de modo a melhor intervir na pós-produção.

Orientador – Joaquim Pinto (Portugal)
Nasceu em 1957 e estudou cinema na Escola Superior de Cinema / Conservatório Nacional, onde se especializou em som em 1979.
Engenheiro de som e mistura de som, trabalhou em mais de 50 longas-metragens. Joaquim Pinto colabora regularmente com Werner Schroeter, Manoel de Oliveira, Alain Tanner, Raul Ruiz, entre outros. Dirigiu o som de filmes como “A Estrangeira”(1983), “Les amants terribles”(1984), “O lugar do morto”(1984), “Le soulier de satin”(1985), “Der Rosenkönig”(1986), “Os canibais”(1988), “As bodas de Deus”(1999), “Tarde demais”(2000). Dirigiu a mistura de som de filmes como “Le bassin de J.W.”(1997), “Branca de Neve”(2000), “O caminho perdido”(2005), “Encontros”(2006).
Para além do som, Joaquim Pinto foi um dos mais profícuos produtores nacionais, dirigiu a fotografia de vários filmes e mantém uma actividade de realização iniciada na ficção e hoje desenvolvida no campo do documentário.

Coordenador – Miguel Santos
Docente na ESAP onde lecciona som na Licenciatura de Arte e Comunicação e Cine-Vídeo, tem trabalhado no Porto e Barcelona na captação de som directo e na montagem de som de dezenas de curtas-metragens e outros filmes.


6 - “Produção e co-produção de longas-metragens na Europa”
Como ser e o que deve saber para ser um produtor na Europa. Os candidatos devem indicar os seus 3 filmes e 3 livros preferidos, bem como as suas revistas de leitura habitual.

Orientador – Rudolf Mestdagh (Bélgica)
Produtor, realizador e argumentista, Mestdagh nasceu em Bruxelas em 1965.
Estudou produção e realização na Academia do Filme de Bruxelas e literatura e argumento na Universidade Livre de Bruxelas.
A sua formação de produção passou ainda pelo Media Business School e pelo EAVE, ambos integrantes do programa comunitário Media Plus.
Fundou duas companhias de produção, das quais a “Cosmokino” é a responsável pelo seu filme “Ellektra”, longa-metragem distinguida no AVANCA’05.
As suas primeiras curtas-metragens valeram-lhe várias distinções, nomeadamente “Robokip” que integrando a selecção oficial, terminou distinguida com o “Platteauprize” para a melhor curta-metragem do Festival de Cinema de Cannes em 1993. Entre outros festivais, os seus filmes foram premiados em Oakland, Columbus, Rochester, Mons e Bruxelas.
Também os seus filmes publicitários foram premiados, nomeadamente com a “Bronze World Medal” do “New York Advertising Festival” e “shortlisted” em Cannes.
Nos últimos anos, Mestdagh tem estado envolvido na co-produção de vários projectos internacionais de longa-metragem.

Coordenador – Elsa Costa
Formada em Direito, com especialização em Direito do Audiovisual e de Autor. Cineclubista no extinto Cine-Clube Chaplin. Em 2004 associa-se a Francisco Lobo de Ávila na “Avilajet” onde desenvolve produção audiovisual. Na curta-metragem em HD “Área Protegida” do Cine-Clube de Avanca foi produtora executiva.


7 - “Storyboard no cinema de imagem real”
Abordagem teórica e prática ao “storyboard” aplicado à ficção de imagem real.

Orientador – Raphaël Saint-Vincent (França)
Fundador da “FNSBF - Fédération Nationale des Storyboardeurs Français”, Raphaël Saint-Vincent fez do “storyboard” o seu combate. Investigador e historiador, é um dos co-autores do livro “Guia Prático do Storyboard” que será editado no nosso país pelas Edições Cine-Clube de Avanca. Nos últimos anos tem liderado o combate pelo desenvolvimento europeu e internacional do “storyboard“, tendo como princípio a protecção e a promoção do trabalho do artista.

Orientador – Olivier Saint-Vincent (França)
Membro da “FNSBF - Fédération Nationale des Storyboardeurs Français”, é professor de literaturas clássicas, cinéfilo e co-autor do livro “Guia Prático do Storyboard”.

Orientador – Louis de Rancourt (França)
Membro da “FNSBF - Fédération Nationale des Storyboardeurs Français”, é ”Storyboardeur” e professor de desenho. Rancourt fez vários ”storyboards” de curtas e longas-metragens de ficção, ganhando em 2003 o Prémio SOPADIN. Desenhou também ”storyboards” para animação e para imensos filmes publicitários. Ensina “storyboard” na Universidade de Valenciennes e na “École Européenne Supérieure d’Animation et d’effets spéciaux numériques“.

Coordenador – Moisés Rodrigues
Docente na Escola Sec. Soares dos Reis de tecnologia de cinema. Realizador, designer e ilustrador gráfico, fez vários storyboards para publicidade. Com formação em cinema e animação, estudou Design de Comunicação nas Belas-Artes do Porto. Co-organizador do Festivideo – Festival de Vídeo e Multimédia.


8 - “Controlar a luz na animação de pixiliação”
Experimentar a imagem e o seu controlo na construção de animação com actores. A prática da animação e da direcção de fotografia.

Orientador – Urmas Jõemees (Estónia)
Nasceu em 1963, tendo-se formado em matemática pela Universidade de Tartu.
Estudou fotografia em Tallin e Moscovo (VGIK), tendo trabalhado como assistente de câmara nos estúdios da “Tallinfilm”.
Nos anos 90 ingressa nos estúdios da “Nukufilm” como director de fotografia, dirigindo a imagem de mais de três dezenas de filmes de animação. Vários destes filmes foram seleccionados e inclusivamente premiados nas várias edições do Festival de Avanca, nomeadamente “Samuels Internet” de R. Unt, “The Guf” de J.Girlin, “Penguins Parade” de J.Pihlak e R.Unt, “Instinct” de R. Heidmets e “The table” de que é co-realizador com Mari-Liis Bassovskaja e Jelena Girlin.
“The Table” foi distinguido no AVANCA’05 e um pouco por todo o mundo.
Os estúdios da “Nukufilm” especializaram-se na produção de filmes de animação de autor, utilizando sobretudo as técnicas da animação de bonecos, a pixiliação e os recortes, sendo na actualidade um dos estúdios mais premiados em todo o mundo.
Urmas é actualmente conselheiro técnico da Academis de Artes da Estónia.

Coordenador – João Católico
Docente e realizador. Membro da Comissão Organizadora do CINANIMA (entre 91 e 96). Criador da “Oficina” (Oficina de Cinema de Animação CINANIMA – Espinho). Organizou e orientou diversas acções de formação na área da animação. Ensina animação e audiovisuais na EP de Cortegaça.

Coordenador – João Paulo Dias
Animador, participa na maior parte das produções do Cine-Clube de Avanca, incluindo a primeira longa-metragem da animação portuguesa. Ultima a sua primeira obra como realizador, de uma curta-metragem de animação.


9 - “Escrever ficção de longa-metragem de baixo orçamento – o ponto de vista do argumentista, do realizador e do produtor”
A linguagem cinematográfica é a base de todos os audiovisuais contemporâneos, aqui abordada numa forma prática, experimental e pedagógica.

Orientador – Ahmed Boulane (Marrocos)
Distinguido no AVANCA’01, a sua longa metragem “Ali, Rabiaa et les Autres...” transformou-se numa das obras de referência do cinema marroquino e do Magrebe.
Argumentista, realizador, produtor e actor, Boulane tem no seu currículo a participação em mais de 70 filmes dos quais cerca de um terço de produção internacional.
Personalidade irreverente e polémica, Boulane acaba de rodar a longa-metragem “les Anges de Satan”, levantando uma verdadeira tempestade entre os islamistas.
“Voyage dans le passé” e ”Moi, ma mère et Betina”, são outros filmes marcantes deste realizador.
Autor de vários argumentos, a sua longa experiência como actor e director de “casting” em filmes de Alan Pakula, Philipe De Broca, Giuliano Montaldo, Nicholas Roeg e William Friedkin, aliado ao intenso trabalho de produção que tem desenvolvido, levaram-no a interessar-se pela escrita de cinema e o permanente diálogo entre o baixo orçamento de produção e as exigências da cinematografia internacional.
A conceituada empresa “BO’B Production” que dirige, fornece regularmente serviços de produção a projectos internacionais com rodagem em Marrocos, sendo também considerada a melhor fornecedora de casting para actores marroquinos e actores da África do Norte residentes na Europa.
Ahmed Boulane fala fluentemente cinco línguas (inglês, francês, italiano, espanhol e árabe).

Coordenador – José Pinto Carneiro
Advogado, escritor e argumentista. Escrever ente outros romances, novelas e contos, “O estranho caso da boazona que me entrou pelo escritório adentro” (Ed. Cotovia). Argumentista da longa-metragem “Trânsito local” e de vários programas para a RTP e SIC. Premiado no primeiro concurso de guionistas da NBP.

10 - “Como utilizar um telemóvel na sala de aula”
Destinado a professores e a todos os interessados em experimentar as novas possibilidades audiovisuais dos telemóveis para intervir criativamente nas aulas. É a aposta da utilização de um “brinquedo” na educação para o cinema e o audiovisual.

Orientador – Aníbal Lemos (Portugal)
Autor fotográfico com uma obra fundamental premiada e expostas em vários países, galerista e docente de arte fotográfica, orientou um workshop no AVANCA’98.

Orientador – Francisco Lança (Portugal)
Um dos incontornáveis realizadores da animação portuguesa, ilustrador e autor de um grafismo único, orientou um workshop no primeiro AVANCA em 1997.

Orientador – Francisco Vidinha (Portugal)
Director de fotografia, repartiu a sua actividade entre a Austrália e Portugal. É docente na área em várias instituições de ensino superior. Orientou um workshop no AVANCA’2001.

Orientador – Henrique Espirito Santo (Portugal)
Cineclubista, docente, mas sobretudo produtor, responsável por mais de 70 longas-metragens marcantes na ficção portuguesa. Orientou um workshop no AVANCA’2002.

Orientador – Josélia Neves (Portugal)
Professora universitária, é investigadora na área da legendagem audiovisual para surdos e audio-descrição para cegos. Orientou um workshop no AVANCA’05.

Orientador – Lauro António (Portugal)
Crítico, ensaísta, professor, programador, director de festivais e realizador, a sua obra espalha-se pelo cinema, televisão e imprensa escrita. Orientou um workshop no AVANCA’2004.

Orientador – Maria Antónia Seabra (Portugal)
Produtora, assumiu significativos cargos administrativos, tendo o seu nome ligado a alguns dos filmes fundamentais da cinematografia nacional. Orientou um workshop no AVANCA’98.

Orientador – Sérgio Nogueira (Portugal)
Realizador de animação, professor e investigador, é autor do software de animação “Animatrope” de larga difusão nas escolas. Orientou um workshop no AVANCA’2003.

Orientador – Sério Fernandes (Portugal)
Produtor, realizador e professor, a sua obra que tem uma dimensão única, está ligada ao Porto e ao Douro. Orientou um workshop no AVANCA’2001.

Coordenador – Janek Pfeifer (Alemanha)
Arquitecto, trabalha em arquitectura e design em Portugal e Alemanha. Desenvolve trabalho na área do vídeo digital experimental, tendo produzido e realizado três produções audiovisuais.
Para saber mais:
A foto que não consegui colocar no comentário a baixo.


terça-feira, junho 27, 2006

CÁSSIA FERNANDES (II)


Poetisa, romancista, actriz, brasileira (com quem me cruzei pela vez primeira num palco do cinema de Vila Boa de Goiás, vai par cinco anos, durante um FICA), Cássia Fernandes não é ainda conhecida em Portugal, mas vai sê-lo. Até lá, aqui fica mais um exemplo da sua poesia, por vezes lirica, por vezes irónica. Nesta aventura de deixar as emoçôes atravessar o Atântico e aproximar as vozes (coisa não rara, entre escritores famosos, mas também entre outros que o são menos, oh!), a minha opção vai para quem faz da poesia, não a habitual filigrana de pinderiquice sentimental, mas para quem trabalha a palavra com o gozo de a saborear e a subverter.
(A foto é de um recital de Cássia, na Casa Museu de Cora Coralina, em Junho de 2005. Ela agora está mais magra, mas a doçura é a mesma.)

Impressões de uma fazenda que virou taperão

I
Com o tempo,
até o arame farpado,
abandonado
em rolos arrepiados,
vira capim.

O braquiara transforma
em si mesmo
a coisa amada.

Braveza e farpa
num mesmo nó
agora são um só.

E nele
galinhas chocam ovos
e vacas pastam, bocós!

II

Enquanto isso,
dois cochos apaixonados,
em intersecção
trocam o sal mineral das palavras
e as impressões
de seus toscos corações
de aroeira.

III

O braquiarão, persistente,
abraça as farpas do arame,
sem temer cortar-se.
Logo este, beligerante,
que pretende prender
até as rodas d` água,
que já não corre mais
como antes –
desnecessárias elas
no tempo
das minas abundantes
do antigamente.

IV

E nesse enquanto
o céu e o pedregulho
preparam
a represa
para a viagem circular
pelas estrelas.



V

Caverna de água e sombras de Platão
em traços de impressão.
Qual árvore será verdade
e qual vendaval?
Qual me leve e livre
e qual me lave e salve?
E de onde virá o louva-deus?
E por quais sinos dobram
as bananeiras?

VI

O tempo é mesmo implacável!
O tempo derruba cercas antigas
de aroeira.
E o paiol de milho
que antes abrigava
a fartura das colheitas
e filhotes de gato sem família
hoje é apenas uma porta
aberta para a vastidão do pasto
e para a solidão infinita.

VII

O tempo tudo avacalha
e tudo vilipendia.
O jacá de palha
e o carrinho de mão,
antes pesados e livres,
são apenas ninhos imóveis
cobertos de titica,
suspensos na gameleira,
que em si não se equilibra,
apoiada em troncos amputados,
muletas de seiva morta,
pra manter a sombra torta.

VIII

Antes frondoso exílio de menina,
hoje poleiro de angolas e galinhas,
hotel de jacaré,
que como o barão de Calvino
exilou-se no alto das árvores,
para fugir a seu destino
e do alto chorar
lágrimas e seivas
de crocodilo
e ter no jantar
deliciosos passarinhos.
Deus às vezes
corrige a criação
e dá asas a animais
de sangue frio!

IX

Juras provisórias de amor
de um certo Antônio Alves,
que ninguém sabe quem é,
que amava uma tal de E....
E de Etelvina, de Eterna,
de Élida Divina
e que não contou pra ela
que da gameleira
se fazem gamelas.

X

E ali, perto da inscrição a canivete
galhos que se confundem
como pernas e braços a gemer
no inferno
de Dante Alighieri
e Gustave Doré.


XI
Dessas impressões
de uma fazenda tornada Taperão
se conclui que:
o tempo e as galinhas
tudo transformam em ninho.
Nada escapa à sanha
de inverter-se
e de ter pintos.
Rolos de arame farpado.
Caixotes.
Velhas manilhas.
Pneus há muito rodados.
Pilões de monjolos desativados.
Regos d´água secos
de riachos deprimidos.
E até chapéus de palha,
que saíram a cavalo
ou a passeio
e jamais voltaram
para o seio
de seus cabides.
O tempo deixa mesmo
esse olhar contemplativo
para as paredes.

XII

E de tanto fuçar e ler,
passei a ver
na casinha em que se guardam
badulaques e tranqueiras,
fazendeiros do ar
que respiro.
Invisíveis,
montados em arreios,
balouçando estribos!

Cássia Fernandes
24-06-2006

CÁSSIA FERNANDES
poemas e fotos de uma amiga brasileira



(Dos dias pressagos de 2004)

Sonho, horóscopo ou mosaico

Saio de casa
porque não me suporto.
Mas eis quem encontro
ali mesmo
na porta:
eu própria,
sentada o dia todo
com os olhos astutos
de um cão de guarda.

Eu me mostro os dentes.
Eu rosno.
Não há ninguém para puxar a coleira.
Saio em fuga então.
E o cão me segue,
o cão
corre na velocidade de um cavalo.
Dentro, sinto seu galope.
Eu me machuco
com as próprias patas.
Sou metamorfose.
Sou um sagitário.

Me pisoteio.
Aponto a flecha para o meu próprio seio.
E como Rubem Fonseca
em seu “Vastas emoções
e pensamentos imperfeitos”,
os sonhos são filmes mal montados.
Não há continuísta
ou enredo.

E Platão teria dito que a vida
é cópia mal feita da verdade.
A vida é sonho, digo.
Corro e me dilacero.
Vou a Paris, mas me levo na mala.
E sou enterrada viva nos seus castelos.

Vejo minha imagem refletida
na última gota do cálice.
Não me quero.
Nego.
Tento apagar o reflexo no espelho.
Mas o espelho não está no teto.
É dentro que ele está.
E dentro é treva.
Até no inferno neva.

Não, não é o corpo
que é poço
ou calabouço.
Estamos condenados.
Não sou Jesus, não sou a cruz, eu sou o prego!
Pai, por que me abandonaste
a enferrujar
pelos séculos e séculos!?



Ando bem assombrada por esses dias,
vendo fantasmas e pessoas vivas
onde outros
vêem apenas sombras do mal
e cortinas de voal.


Mas meus ectoplasmas
não se escondem
sob lençóis alvejados
nem arrastam correntes
de calabouços passados,
não gemem nem espiam,
nem expiam.


Não escrevem frases
com copos que se movem.
Não me puxam pelo pé.
Embora batam portas
e tirem coisas dos lugares,
não vêm rezar à minha fé.


Não são montagens
de fotografia.
Não nascem do fotoshop
e de outras valentias.
Não vieram
num cavalo
kardecista,
reivindicar mais outra vida.


Ando bem assombrada
porque tenho visto irrealidades,
respirado reminiscências,
tenho aberto tanto os olhos,
e-xa-ge-ra-da-men-te.

como se eles passassem
por revista.
E foi assim que me vi
vendo Cora
Coralina
vivendo na mesma casa
em que vivia.


Ela nos recebeu no umbral
e nos assistiu do quintal.

(Lampião de gás
da cidade de Goiás,
Lamparina
que nasceu em Pontalina)

Obs: Essa foto foi tirada na casa de Cora, durante recital de Marcos Caiado.
Eu o acompanhava, lendo poemas da menina feia da casa da ponte.
Ela fica realmente à porta e não é montagem, nem aparição.



Ando bem assombrada por esses dias,
vendo fantasmas e pessoas vivas
onde outros
vêem apenas sombras do mal
e cortinas de voal.
Mas meus ectoplasmas
não se escondem
sob lençóis alvejados
nem arrastam correntes
de calabouços passados,
não gemem nem espiam,
nem expiam.
Não escrevem frases
com copos que se movem.
Não me puxam pelo pé.
Embora batam portas
e tirem coisas dos lugares,
não vêm rezar à minha fé.
Nasci com oitenta e cinco anos
e num momento assim
em que o sol se desmancha,
um livro apeou-me do sono
desatou-me das tranças.
Decidiu
que era boa a hora
de não ser senil.

Eu vim rejuvenescendo.
Eu fui brotando.

Então eu tinha uma memória prodigiosa
uma fantasia exuberante
como a mata atlântica,
mas não arriscava nenhuma história,
e era torta e rancorosa,
como uma planta
de savanas africanas.

Árvore de beira-de-estrada,
árvore empoeirada...
Todos passam,
os carros passam
velozes,
os amigos passam,
compadres,
as garças passam, nelores...
Eta vida de sem-graças,
Carlos!
Só eu fico,
encravada,
cerrado,
no dizer de Carmo,
“uma floresta
de cabeça pra baixo”.

Se planejava ir à janela,
viagem à roda do meu quarto,
no caminho achava o atalho
da poltrona
e deitava nela
pra conciliar o sono
e ler De Maistre.

Eis por que
tantos livros foram lidos
e ficaram inacabados,
tantos amores foram comidos
e desprezados,
eu criei raízes,
tão solitárias e tão profundas,
até dar no centro do mundo.

Mas fui brotando.

Assim, uma orquídea nasceu de mim,
exótica, rara, indomada,
tão áspera e inóspita como urtiga,
tão abundante e vasta
feito capim.
Vivo sob outra forma agora,
as raízes expostas
sobre quem me suporta,
mas sou mais jovem
e algo mais feliz.

P.S:
O poema do tempo
já foi escrito por outros tantos
antes de mim
e de você.
Já disseram isso
em outros cantos
de nascer velho
e morrer bebê.

Cássia Fernandes, junho 2006.
Para ter acesso a mais trabalhos de Cássia Fernandes:
NOVO BLOG:
LA_Arquivo



Para aceder ao novo arquivo,
onde se começa a recolher criticas
aparecidas em várias publicações portuguesas,
ao longo dos anos, basta clicar em:

http://laarquivo.blogspot.com/
PIERRE VERGER, FOTÓGRAFO

“Pierre Verger: Mensageiro entre Dois Mundos” exibido numa das edições do Cine Eco, marcou o início do meu convívio com Pierre Verger, fotógrafo francês que escolheu o Brasil par viver. O filme era uma realização de Lula Buarque e do argumentista Marcos Bernstein (o mesmo de “Central do Brasil”). Ambos estiveram em África, em França e na Bahia em busca de referência da trajectória deste importante fotógrafo e etnógrafo. Gilberto Gil era quem narrava e apresentava “Verger: Mensageiro entre Dois Mundos”, que reprpduzia a última entrevista de Pierre Verger (captada um dia antes de seu falecimento, em 11 de Fevereiro de 1996), além de extenso material fotográfico, textos produzidos por Verger e depoimentos de amigos como o documentarista Jean Rouche (Musée de l'Homme, Paris), Jorge Amado, Zélia Gattai, Mãe Stella, Pai Agenor e o historiador Cid Teixeira.
O filme era muito interessante, mas deixava água na boca para conhecer mais de perto a obra deste fotógrafo que se pressentia muito bom. Não tão bom como realmente é, agora que vimos uma significativa recolha de obras suas expostas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Ao longo de várias salas, e ainda através de uma exibição de slides organizados em “showreel”, descobrimos centenas de fotografias, a preto e branco, de alguém que, vindo de fora, mas integrando-se na paisagem humana e geográfica do Brasil como ninguém, consegue captar a “alma” de um povo, e restitui-la em imagens de uma beleza e autenticidade notáveis.
A exposição está organizada segundo temas, desde o Circo ao Cambonblé, Embarcações, aos Deuses Africanos, dos Dorminhocos às Impressões musicais, da Infância aos Homens, das Festas carnavalescas às Caras do Mundo. Há álbuns para todos os gostos, mas todos com a autenticidade e a entrega visceral do fotógrafo aos seus motivos. Uma excelente colecção, um fotógrafo a descobrir por Portugal. Porque não uma exposição de Verger entre nós?

Nota biográfica sobre Pierre Verger retirada de site brasileiro:
Pierre "Fatumbi" Verger, nasceu Pierre Edouard Leopold Verger, em 4 de novembro de 1902, em Paris. Fotógrafo, etnólogo e babalaô, costuma explicar os fatos de sua vida como conseqüência de acasos ...
Aos 30 anos o primeiro "acaso" importante: tendo perdido todos os membros da família e sem uma identidade mais profunda com o contexto social em que vivia, decide então abandoná-lo. Com uma mochila e uma máquina fotográfica parte em busca de novas experiências e sobretudo do esquecimento de tantas outras. Assim, deixa Paris em 1932 e segue para as Ilhas do Pacífico.
Durante 15 anos viaja por diferentes regiões do mundo, fotografando o lhe desperta o interesse. Pouco a pouco, reúne uma preciosa documentação sobre antigas civilizações em vias de desaparecimento, ou que sofriam profunda transformação em suas tradições culturais. O exame deste material já revela a maestria do fotógrafo e o talento do pesquisador. Neste período conhece e documenta o Taiti (1933), os Estados Unidos, Japão e China (1934 e 37), a Itália, Espanha e África (Sudão, hoje Malí; o Niger, Alto Volta, Togo e Daomé, atual Benin, em 1935); as Antilhas (1936), o México (1937, 39 e 57); Ilhas Filipinas e a Indochina (então constituída por Tailândia, Laos, Camboja e os Vietnams, em 1938); Guatemala e o Equador (1939); Senegal (mobilizado, em 1940); Argentina (1941), Peru e Bolívia (1942 e 46); Brasil (1946).
Além de repórter, foi também encarregado do laboratório fotográfico do Musée D’Etnographie (hoje Musée de 1'Homme), em Paris. Correspondente de guerra na China para a revista Life e encarregado de coletar documentos fotográficos para o Museo Nacional de Lima, no Peru.
Um segundo "acaso" importante precipita Verger definitivamente no campo da pesquisa. É quando descobre a Bahia em 1946. Trazido pela leitura de Jubiabá, de Jorge Amado, apaixona-se pela cidade e sobretudo pela gente que aqui vivia. Instala-se e passa a conviver intensamente com o povo. Desse convívio surge o interesse pela compreensão da sua história e da sua cultura. A partir de então, suas viagens tornam-se menos decididas pelo acaso e as circunstâncias. O que lhe interessa agora são os aspectos culturais decorrentes da diáspora negra no Novo Mundo. Insta-se na Bahia e faz sucessivas viagens à costa ocidental de África e a Paramaribo (1948), Haiti (1949) e Cuba (1957). Inicia uma incansável pesquisa sobre o culto dos orixás e sobre as influências econômicas e culturais do tráfico de escravos. Intensifica suas investigações sobre a etnia ioruba, sua influência na cultura baiana e as ligações que estabelecem entre si.
A relação de Verger com a cultura negra aos poucos ultrapassa o interesse intelectual. Envolve-se profundamente com o candomblé, onde é aceito e iniciado, e onde passa a exercer funções. Na Bahia, é Ogã no Opô Afonjá, da finada Mãe Senhora, e no Opô Aganjú de Balbino, em Lauro de Freitas. No ainda Daomé, foi iniciado como babalaô quando estudava a arte adivinhatória do Ifá, recebendo o nome de Fatumbi - renascido pelo Ifá. Como babalaô, teve acesso ao patrimônio cultural dos iorubas, sua mitologia e sua botânica aplicada à terapêutica e à liturgia dos cultos de possessão.
Verger consolida, desde repórter fotográfico, um importante trabalho histórico e etnográfico. Sua observação arguta, o despojamento, às vezes austero, dos bens materiais, sua humildade intelectual e sua sabedoria humana – baseada na simplicidade, no respeito e na verdade – certamente facilitaram sua tarefa. Em 1966, o percurso e o talento da obra de Verger são oficialmente reconhecidos pela ciência: A Universidade de Paris, através da Sorbonne, lhe confere o título de Doutor, embora tenha Verger abandonado os estudos acadêmicos, ainda no Liceu, aos 17 anos.


Com a publicação dos seus livros no Brasil, a partir de 1980, pela Editora Corrupio, sua obra passou a ser conhecida e tornou-se referência para estudiosos nas áreas da história e economia do tráfico de escravos no Brasil, sobre as religiões e a cultura ioruba em toda sua abrangência.
Os estudos de Pierre Verger podem ser agrupados em três pesquisas principais, que deram origem, por sua vez, às grandes obras, que se multiplicaram em livros, artigos, conferência, etc.: os estudos sobre os orixás e seus cultos na África e no Novo Mundo (Note sur le culte des orisha e vodoun à Bahia de Tous les Saints au Brésil et à l’ancienne Côte des Esclaves (Memória no 51 do IFAN/Dakar 1951) e Orixás, os deuses iorubas na África e no Novo Mundo (Corrupio 1982); a pesquisa fundamental sobre o tráfico de escravos, suas razões históricas e econômicas, e conseqüências culturais (Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos (Corrupio 1985); e a pesquisa sobre a tradição oral e a botânica aplicada à terapêutica tradicional e aos cultos de possessão entre os iorubas (inúmeros artigos, entre eles Automatismo verbal e comunicação do saber entre os iorubas (versão francesa publicada em L’Homme Revue française d’anthropologie, tomo XII, Paris, 1972; Esplendor e decadência do culto de Iyami Osorongá (Artigos, Tomo I; Corrupio 1992); Lendas dos Orixás e Lendas Africanas dos Orixás (Corrupio/1981-1985) e Ewé, o uso das plantas na sociedade ioruba (Odebrecht/Cia. das Letras, 1995).
Suas pesquisas despertaram, desde o início, o interesse de pesquisadores e instituições de pesquisas pelo rigor com que Verger colhia suas informações e a aparente falta de metodologia acadêmica. Sem pressa, sem perseguir hipóteses pré-estabelecidas e, como ele gostava de frisar, "sem metodologia mas simplesmente anotando o que via e ouvia; observando e esperando que a informação fosse dada no momento oportuno". Como pesquisador agia como fotógrafo; sendo fiel à documentação, geralmente muito volumosa, com a transcrição dos documentos na íntegra e sem atualização da linguagem, como um mosaico que vai se completando aos poucos.
Seduzido pela beleza da Bahia e sua gente, começou a ficar curioso com o fato desse povo que, apesar de ter passado pela experiência dolorosa e humilhante da escravidão, não se deixou impregnar pelo ódio e a amargura nem pela tentação da discriminação. E logo Verger percebeu que isto derivava muito provavelmente da sua religião. Dizia sempre que o seu interesse pelo Candomblé se devia ao fato dela "desempenhar um papel social muito importante", conferindo aos seus adeptos confere a seus adeptos um enraizamento cultural, uma identidade bem definida, fundamentais para seu sentido de dignidade como indivíduo e como povo. "Aqui eles não se sentem humilhados, mas são respeitados justamente pelas coisas que lhes são próprias". O pesquisador incansável terminou aos poucos colocando sua arte fotográfica a serviço de suas pesquisas, até interromper totalmente esta atividade em 1973.
Em 1973 passou a integrar o corpo de professores da Universidade Federal da Bahia, com a tarefa inicial de implantar em Salvador o Museu Afro Brasileiro. Foi professor visitante da Universidade de Ifé, na Nigéria e pertenceu, também, ao quadro de pesquisadores do CNRS.
Pierre Verger faleceu em 11 de fevereiro de 1996. Até essa data, continuou incansável trabalho sobre sua documentação, colhida durante cerca de 50 anos de investigações, sonhando ainda em levar seu trabalho adiante através da formação um quadro de pesquisadores e auxiliares na Fundação Pierre Verger, criada em 1989 para dar guarda e proteção ao seu acervo. Pierre Fatumbi Verger seguiu sendo o mesmo homem "livre e disponível" do qual falava seu amigo Théodore Monod, no prefácio ao Dieux d’Afrique (Paris, 1954): "... fiel a sua escolha, segue no exercício profundo e correspondente da solidão e da liberdade".

Aos 17 anos Pierre Verger parou de frequentar a escola. Aos 30, após a morte de sua mãe, deixou Paris e os valores burgueses do ambiente onde cresceu. Iniciou suas viagens pelo Taiti, inspirando-se no pintor Paul Guaguin. Em 1946, tendo já viajado por todos os continentes, desembarcou em Salvador. Aqui encontrou uma cidade pequena e muito bonita, repleta de descendentes de africanos. Foi seduzido e resolveu ficar.
Desde o início das suas viagens ele fotografava. As suas escolhas de imagens demonstram um interesse particular por pessoas e expressões culturais e um talento especial para selecionar e registrar instantes eloqüentes. Trabalhando, dançando, dormindo ou apenas posando, seus modelos são sempre naturais e expressivos.
Verger aprofundou seu pendor para a antropologia delimitando como temas a cultura negra, relações entre a África e a Bahia e o candomblé. Por suas pesquisas nessas áreas recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Sorbonne. E mais, tornou-se Babalaô, uma autoridade no candomblé.
Estas imagens são exemplos do seu trabalho como repórter fotográfico no Brasil, EUA, África e Taiti, ainda na primeira metade do século. Por suas fotos, muitos o consideram um dos precursores da antropologia visual. Ou seja, através do seu modo particular de fotografar pessoas e situações comuns, Verger seria capaz de reconstituir, em certa medida, o espírito de um lugar e de uma época. Nós, baianos, temos bastante material para averiguar isso no seu livro "Retratos da Bahia". E a comprovação ocorre quando reconhecemos a nós mesmos naquelas fotos.

Para saber mais sobre Pierre Verger:

http://www.pierreverger.org.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Fatumbi_Verger
http://www.unicamp.br/~everaldo/bahia/verger/expo.htm
http://www.corrupio.com.br/verger-p.htm
http://membres.lycos.fr/japa/verger/
http://www.terra.com.br/cinema/drama/verger.htm
e também de uma polémica on line sobre Pierre Verger:
http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm

domingo, junho 25, 2006

OS PORTUGUESES
E O “PORTUGUÊS DE MERDA”

Foi um jogo épico. Com alguma sorte à mistura, é certo, mas quantas vezes a não tivemos noutras ocasiões? Mas não foi só sofrido, intenso, emotivo, vibrante. Foi muito mais do que isso: foi um jogo daqueles que recordaremos por muitos e muitos anos, e que alguns de nós vão contar aos netos. Jogadores que se excederam em brio e valor, sem dúvida, e um treinador que calou (terá calado?) os imbecis do costume. Scolari mudou a mentalidade do jogador português, porque sobretudo sabe mobilizar uma equipa, transformar 23 homens num grupo homogéneo e estóico. Devíamos estar todos orgulhosos e agradecidos. Sabem bem alegrias como esta.
Por isso, acabado o jogo, quando atravessei a rua para tomar o café no outro lado da avenida, foi bom ver pessoas com bandeiras e cachecóis, buzinas e gargantas a gritar por “Portugal!”. Já quando entrei no café, tudo mudou. Um pobre diabo ao balcão, acabava de tomar a sua bica e olhava em redor, enquanto resmungava entre dentes: “Com esta energia toda, amanhã é que vai ser trabalhar.” Continua a olhar à volta, “mas os ingleses já lhes vão ensinar!”
Este é o típico “português de merda”, invejoso, ciumento, que não pode ver a alegria nos olhos dos outros, que se “especializou” no “bota a baixa”, para quem nada está bem. Há-os em todos os níveis, entre políticos ressabiados, entre intelectuais elitistas, entre professores e alunos, entre populares e demais. São os velhos do Restelo, típicos.
Acontece que estes “portugueses de merda” continuarão encostados ao balcão, agarrados à bica, olhando os outros passar com a alegria nos olhos. Uma alegria que eles não entendem, nem suportam. Uma alegria que os faz sofrer ainda mais na sua mediocridade, no seu cinzentismo.
Posto isto, viva Portugal, viva a selecção, passada a Holanda, venha a Inglaterra, rumo ao Brasil.

sábado, junho 24, 2006

CURSOS DE VERÃO NA UAL

para saber mais:


"CARPATIA"
que ganhou o
"O FESTIVAL DOS FESTIVAIS"

no Brasil

assegurado na competição do
CINE ECO 2006
em Outubro em SEIA, Serra da Estrela

veja mais sobre o filme:

quarta-feira, junho 21, 2006



GÁNHAMOS!
E passámos o México. Agora Argentina e Holanda podem “escolher” quem quiserem para os “oitavos.”
Foi um bom jogo, muito diferente daquele Portugal-México imaginado pelos Simpsons (mas foi bom ter os Simpsons a apoiar-nos!). Foi um jogo intenso, vibrante, rápido, e foi sobretudo uma festa, com muitas mulheres bonitas a abrilhantarem as bancadas. O futebol é um desporto que as mulheres gostam cada vez mais de ver. De praticar também, mas falamos agora do mundial masculino. É bom vê-las nas bancadas, coloridas, alegres, de bandeira ao peito, a torcer por Portugal ou pelo México.
Falando de mulheres, já o mesmo não direi da histeria bacoca que vai grassando por muitos dos “blogs” que vou visitando (nesta iniciação bloguista), onde “os gajos” continuam a colocar “gajas muitoooo boas, descascadas” e “as gajas”, que agora parecem ter atingido a maioridade, resolvem provar a “emancipação”, babando-se com imagens de “gajos bonssss como o milho” (jogadores suecos, alemães, ingleses, argentinos, portugueses, normalmente aqueles “bonitinhos” que povoam os sonhos das caixeirinhas dos “shopings” – pelos vistos não só, também de muita frustrada que vem “curtir” para os “blogs” as carências caseiras). O espectáculo é deplorável.
Mas nem tudo é mau e, a prová-lo, uma excelente crónica de uma mulher no “Diário de Noticias” de hoje. Sobre os “homens que gostam de futebol”. Não me revejo na crónica por gostar de futebol. Revejo-me porque é sempre agradável ler um texto bem escrito, com humor e sensibilidade.

OS HOMENS BONITOS GOSTAM DE FUTEBOL
Ana Sá Lopes

Na última “Elle", Francisco José Viegas festejava a morte do metrossexual enquan­to ícone masculino. Parece que agora a moda é o "retrossexual" - Francisco falava em Benicio del Toro. A gente percebe. Ou em Al Pacino. Percebe-se melhor. Se o "retros­sexual" passa por isto, viva, desde já, o "retrossexual".
Parece que o "retrossexual" não dá importância à maquilhagem. E finge que não liga por aí além à roupa. E não sabemos quanto tempo perdeu nas compras. E não nos rouba os cremes. Tudo coisas razoavel­mente apreciáveis.
Uma das características por que também pode ser festejável o advento do "retrosse­xual" é o futebol. 0 "retrossexual", entre outras características "macho retro", gosta de futebol.
Eu sabia que havia mais uma razão para gostar do "retrossexual". Pessoalmente, o jogo não me diverte, mas gosto de os ver, aos que gostam de futebol, no campo, com o "esférico"; esporadicamente na bancada, aos urros; e no sofá (menos esporadica­mente, aos urros).
Porque é que são mais bonitos os homens que gostam de futebol? Não faço a mínima ideia, mas são. Porque é que Benicio del Toro é bonito? Não faço a mínima. É qual­quer coisa, um it, um não-sei-o-quê irracio­nal.
Mas sempre assim foi: no liceu, eram bonitos os rapazes que chegavam à sala afo­bados, vindos do campo. Eram muito boni­tos assim afobados, com as T-shirts enchar­cadas e os olhos esgazeados.
Eram mais bonitos os rapazes que joga­vam futebol de cinco nos juvenis da socie­dade recreativa. E também os juniores. Eram muito bonitos os juniores. Peço des­culpa, mas eram. [Houve uma época em que estive a par das classificações de todo um campeonato regional.]
Eram mais bonitos quando eram expul­sos ou substituídos (e batiam com a cabeça de fúria numa barra de ferro). Eram bonitos transfigurados, desfeitos em lágrimas. Eram bonitos derrotados, perdidos, despojados.
Eram bonitos na vitória.
São sempre bonitos na vitória quando, por mor de um prazer desconhecido - para nós, os infiéis -, se agarram e se abraçam e se mexem despudoradamente. Só sei dizer que é muito bonito esse ritual clássico que nem toda a cultura posterior, homofóbica, conseguiu anular.
São bonitos com os nervos. Quando os deles não estão a jogar nada. Quando um lance estúpido dá penalty. Quando há um frango. São bonitos a bater com a mão na cabeça arrepiados com o frango.
São bonitos a dizer palavrões aflitos. São bonitos eufóricos e infantis. São bonitos no último minuto em transe. São bonitos na cervejaria, no grito comunitário. São bonitos em estado de sítio. São bonitos no Chelsea e no solteiros contra casados e no Canidelo, quando o Canidelo ganha. São bonitos a abraçar o desconhecido no estádio.
Alguns homens bonitos não gostam de futebol, e é uma pena nunca os poder ver assim, entre o céu e o inferno, naquela estra­nha e comum irrealidade, naquela absurda, irracional, destemperada embriaguez.
In “D.N.”, de 22 de Junho de 2004 (com a devida vénia)


OLHARES DO BRASIL

Goiás
OLHARES DO BRASIL
Rio de Janeiro
São Paulo, MAM, "Bandeirinhas"

terça-feira, junho 20, 2006

TERESA SÁ, fotógrafa


Um trabalho cada vez mais intenso, mais denso na sua intimidade. Melancolia, solidão, uma serena angústia. Ambientes que não deixam de recordar algum cinema. A preto e branco. A cores. "Breve Encontro", de David Lean, algum noe-realismo, os melodramas de Douglas Sirk. Quartos de hoteis, despojados, janelas fechadas, a preto e branco, abertas, em cores garridas. A mesma presença. Deitada. De costas. Esperando. A espera. A ausência. Ou a presença ausente. Uma fotógrafa que tive a honra de ajudar a "descobrir". Nesta altura não é a "esperança" que vislumbrei. É uma certeza sem dúvidas. Uma pesquisa pessoal, um projecto que não deixa de me surpreender. Um beijo, Teresa, continua a enviar "recados".
Há blogs que valem a pena. Nem todos são cantinhos de frustrações de adolescentes maduras e fantasias de quem não tem coragem para mais. Estes valem mesmo a pena. Percorra as diversas secções, e descubra imagens de uma mulher ao espelho de uma objectiva:


http://raspberriesandbedrooms.blogspot.com/

http://www.lilacdays.com/

Armário
Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar os seus tesouros como um corsário
Que coisa louca: ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida circunspecta
e pesada nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei)
Um sentinela do seu leito com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas para suas argolinhas
Ter um vão para seu camisolão e sentir o seu cheiro, senhora, o dia inteiro
Meus nichos como bichos engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças, e tirariam
nacos dos seus casacos,
E no meu chão,como trufas, as suas pantufas...
Seus echarpes, seus jeans, seus longos e afins
Seus trastes e contrastes.
Aquele vestido com asa e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo. Um pulôver amigo. Bonecas de pano.
Um brinco cigano.Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.Suéteres de lã e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores, os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo,senhora, e o seu medo.
E sufocar com agravantes todos os seus amantes.

Luís Fernando Veríssimo


Aproveito sempre cada ida ao Brasil para me por a par de tudo o que sai de literatura brasileira. Este ano não foi excepção, ainda que volumes sobre a Copa e o futebol brasileiro abundassem. Comprei um desses, e vários de escritores que admiro. Novidades. Uma delas a antologia de crónicas de Luís Fernando Veríssimo, “Orgias” (Ed. Objectiva, 2005). Como sempre um humor desconcertante, um tom genuinamente brasileiro, retratos admiráveis de personagens esboçadas em meia dúzia de linhas, situações de uma imaginação e humor sem comparação na língua portuguesa. Tenho muitos dos seus livros e guardo excelente recordação de cada um. Serve este texto como pretexto para chamar a atenção para este humorista que escreve magnificamente e reinventa a língua portuguesa com uma graça e eficácia vocabular enormes. Leiam Luís Fernando Veríssimo. Vale a pena.


"Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda." (“O Gigolô das Palavras”).

Luís Fernando Veríssimo: Biografia:

Luis Fernando Verissimo nasceu em 26 de setembro 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filho do grande escritor Érico Veríssimo, iniciou seus estudos no Instituto Porto Alegre, tendo passado por escolas nos Estados Unidos quando morou lá, em virtude de seu pai ter ido lecionar em uma universidade da Califórnia, por dois anos. Voltou a morar nos EUA quando tinha 16 anos, tendo cursado a Roosevelt High School de Washington, onde também estudou música, sendo até hoje inseparável de seu saxofone.
É casado com Lúcia e tem três filhos.
Jornalista, iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, em fins de 1966, onde começou como copydesk mas trabalhou em diversas seções ("editor de frescuras", redator, editor nacional e internacional). Além disso, sobreviveu um tempo como tradutor, no Rio de Janeiro. A partir de 1969, passou a escrever matéria assinada, quando substituiu a coluna do Jockyman, na Zero Hora. Em 1970 mudou-se para o jornal Folha da Manhã, mas voltou ao antigo emprego em 1975, e passou a ser publicado no Rio de Janeiro também. O sucesso de sua coluna garantiu o lançamento, naquele ano, do livro "A Grande Mulher Nua", uma coletânea de seus textos.
Participou também da televisão, criando quadros para o programa "Planeta dos Homens", na Rede Globo e, mais recentemente, fornecendo material para a série "Comédias da Vida Privada", baseada em livro homônimo.
Escritor prolífero, são de sua autoria, dentre outros, O Popular, A Grande Mulher Nua, Amor Brasileiro, publicados pela José Olympio Editora; As Cobras e Outros Bichos, Pega pra Kapput!, Ed Mort em "Procurando o Silva", Ed Mort em "Disneyworld Blues", Ed Mort em "Com a Mão no Milhão", Ed Mort em "A Conexão Nazista", Ed Mort em "O Seqüestro do Zagueiro Central", Ed Mort e Outras Histórias, O Jardim do Diabo, Pai não Entende Nada, Peças Íntimas, O Santinho, Zoeira , Sexo na Cabeça, O Gigolô das Palavras, O Analista de Bagé, A Mão Do Freud, Orgias, As Aventuras da Família Brasil, O Analista de Bagé,O Analista de Bagé em Quadrinhos, Outras do Analista de Bagé, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, O Marido do Doutor Pompeu, publicados pela L&PM Editores, e A Mesa Voadora, pela Editora Globo e Traçando Paris, pela Artes e Ofícios.
Além disso, tem textos de ficção e crônicas publicadas nas revistas Playboy, Cláudia, Domingo (do Jornal do Brasil), Veja, e nos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e, a partir de junho de 2.000, no jornal O Globo.
Na opinião de Jaguar "Verissimo é uma fábrica de fazer humor. Muito e bom. Meu consolo — comparando meu artesanato de chistes e cartuns com sua fábrica — era que, enquanto eu rodo pelaí com minha grande capacidade ociosa pelos bares da vida, na busca insaciável do prazer (B.I.P.), o campeão do humor trabalha como um mouro (se é que os mouros trabalham). Pensava que, com aquela vasta produção, ele só podia levantar os olhos da máquina de escrever para pingar colírio, como dizia o Stanislaw Ponte Preta. Boemia, papos furados pela noite a dentro, curtir restaurantes malocados, lazer em suma, nem pensar. De manhã à noite, sempre com a placa "Homens Trabalhando" pendurada no pescoço."
Extremamente tímido, foi homenageado por uma escola de samba de sua terra natal no carnaval de 2.000.


BIBLIOGRAFIA :

Crônicas e Contos:
- A Grande Mulher Nua (7)
- Amor brasileiro (7)
- Aquele Estranho Dia que Nunca Chega (2)
- A Mãe de Freud (1)
- A Mãe de Freud (1) (ed. de bolso)
- A Mesa Voadora (6)
- A Mulher do Silva (1)
- As Cobras (1)
- A velhinha de Taubaté (1)
- A versão dos afogados – Novas comédias da vida pública (1)
- Comédias da Vida Privada (1)
- Comédias da Vida Privada (1) (ed. de bolso)
- Comédias da Vida Pública (1)
- Ed Mort em “O seqüestro o zagueiro central” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort em “Com a Mão no Milhão” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort e Outras Histórias (1)
- Ed Mort em “Procurando o Silva” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort em Disneyworld Blues (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- As Cobras em “Se Deus existe que eu seja atingido por um raio” (1)
- As Aventuras da Família Brasil, Parte II (1)
- História de Amor 22 (com Elias José e Orlando Bastos) (3)
- Ler Faz a Cabeça, V.1 (com Paulo Mendes Campos) (5)
- Ler Faz a Cabeça, V.3 (com Dinah S. de Queiroz) (5)
- Novas Comédias da Vida Privada (1)
- O Analista de Bagé em Quadrinhos (1)
- O Marido do Dr. Pompeu (1)
- O Popular (7)
- O Rei do Rock (6)
- Orgias (1)
- Orgias (1) (ed. de bolso)
- O Suicida e o Computador (1)
- O Suicida e o Computador (1) (ed. bolso)
- Outras do Analista de Bagé (1)
- Para Gostar de Ler, V.13 - "Histórias Divertidas", com F. Sabino e M. Scliar (3)
- Para Gostar de Ler, V.14 (3)
- Para Gostar de Ler, V.7 – "Crônicas", com L. Diaféria e J.Carlos Oliveira (3)
- Peças Íntimas (1)
- Separatismo; Corta Essa! (1)
- Sexo na Cabeça (1)
- Sexo na Cabeça (1) (ed. de bolso)
- Todas as comédias (1)
- Zoeira (1)
- A eterna privação do zagueiro absoluto (2)
- Comédias para se ler na escola (2)
- As mentiras que os homens contam (2)
- Histórias brasileiras de verão (2)
- Aquele estranho dia que nunca chega (2)
- Banquete com os Deuses (2)

Romances:

- Borges e os Orangotangos Eternos (8)
- Gula - O Clube dos Anjos (2)
- O Jardim do Diabo (1)
- O opositor (2)

Poesia:

- Poesia numa hora dessas?! (2)

Infanto-Juvenis:

- O arteiro e o tempo (ilust. de Glauco Rodrigues (9)
- O Santinho (ilust. de Edgar Vasques e Glenda Rubinstein) (1)
- Pof (ilust. do autor) (10)

Viagens – Culinária:

- América (ilustrações de Eduardo Reis de Oliveira) (4)
- Traçando Japão (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Madrid (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando New York (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Paris (com Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Ponto de Embarque para Viajar 1 (4)
- Traçando Ponto de Embarque para Viajar 2 (4)
- Traçando Porto Alegre (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Roma (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)

Antologias:

- Para gostar de ler Júnior - Festa de criança (ilust. de Caulos) – (3)
- As noivas do Grajaú – (11).
- Todas as histórias do Analista de Bagé (1)
- Ed Mort - Todas as histórias (1)
- Comédias da vida privada (edição especial para escolas) – (1)
- Para gostar de ler, v. 14 - O nariz e outras crônicas (3)
- Pai não entende nada - Coleção Jovem – (1)
- Zoeira (seleção de Lucia Helena Verissimo e Maria da Glória Bordini)- (1)
- O gigolô das palavras (seleção de Maria da Glória Bordini). (1)

3 histórias para aguçar o apetite

As time goes by

Conheci Rick Blaine em Paris, não faz muito. Ele tem uma espelunca perto da Madeleine que pega todos os americanos bêbados que o Harry’s Bar expulsa. Está com 70 anos, mas não parece ter mais que 69. Os olhos empapuçados são os mesmos mas o cabelo se foi e a barriga só parou de crescer porque não havia mais lugar atrás do balcão. A princípio ele negou que fosse Rick.

- Não conheço nenhum Rick.

- Está lá fora. Um letreiro enorme. Rick’s Café Americain.

- Está? Faz anos que não vou lá fora. O que você quer?

- Um bourbon. E alguma coisa para comer.

Escolhi um sanduíche de uma longa lista e Rick gritou o pedido para um negrão na cozinha. Reconheci o negrão. Era o pianista do café do Rick em Casablanca. Perguntei por que ele não tocava mais piano.

- Sam? Porque só sabia uma música. A clientela não agüentava mais. Ele também faz sempre o mesmo sanduíche. Mas ninguém vem aqui pela comida.

Cantarolei um trecho de As Time Goes By. Perguntei:

- O que você faria se ela entrasse por aquela porta agora?

- Diria: “Um chazinho, vovó?” O passado não volta.

- Voltou uma vez. De todos os bares do mundo, ela tinha que escolher logo o seu, em Casablanca, para entrar.

- Não volta mais.

Mas ele olhou, rápido, quando a porta se abriu de repente. Era um americano que vinha pedir-lhe dinheiro para voltar aos Estados Unidos. Estava fugindo de Mitterrand. Rick o ignorou. Perguntou o que eu queria além do bourbon e do sanduíche do Sam, que estava péssimo.

- Sempre quis saber o que aconteceu depois que ela embarcou naquele avião com Victor Laszlo e você e o inspetor Louis se afastaram, desaparecendo no nevoeiro.

- Passei quarenta anos no nevoeiro - respondeu ele. Objetivamente, não estava disposto a contar muita coisa.

- Eu tenho uma tese.

Ele sorriu.

- Mais uma...

- Você foi o primeiro a se desencantar com as grandes causas. Você era o seu próprio território neutro. Victor Laszlo era o cara engajado. Deve ter morrido cedo e levado alguns outros idealistas como ele, pensando que estavam salvando o mundo para a democracia e os bons sentimentos. Você nunca teve ilusões sobre a humanidade. Era um cínico. Mas também era um romântico. Podia ter-se livrado de Laszlo aos olhos dela. Por quê?

- Você se lembra do rosto dela naquele instante?

Eu me lembrava. Mesmo através do nevoeiro, eu me lembrava. Ele tinha razão. Por um rosto daqueles a gente sacrifica até a falta de ideais.

A porta se abriu de novo e nós dois olhamos rápido. Mas era apenas outro bêbado.


Este texto está nos livros “Comédias da vida privada” e “A velhinha de Taubaté”.

Amor

Ela: Você me ama mais do que tudo?
Ele: Amo.
Ela: Paixão, paixão?
Ele: Paixão, paixão mesmo.
Ela: Mais do que tudo no mundo todo?
Ele: No mundo todo e fora dele.
Ela: Não acredito.
Ele: Faz um teste.
Ela: Eu ou fios de ovos.
Ele: Você, fácil.
Ela: Daqueles com calda grossa, que a gente chupa o fio e a calda escorre pelo queixo.
Ele: Prefiro você.
Ela: Futebol.
Ele: Não tem comparação.
Ela: Você esta caminhando, vem uma bola quicando, a garotada grita "Devolve tio!" e você domina, faz dezessete embaixadas e chuta com perfeição.
Ele: Prefiro você.
Ela: Internacional e Milan em Tóquio pelo campeonato do mundo, passagem e entrada de graça.
Ele: Você vai junto?
Ela: Não.
Ele: Pela televisão se vê melhor.
Ela: Faz muito calor. Aí chove, aí abre o sol, aí vem uma brisa fresca com aquele cheiro de terra molhada, aí toca uma musica no rádio e é uma nova do Paulinho. É Sexta-feira e a televisão anunciou um Hitchcock sem dublagem para aquela noite... e o Itamar está dando certo.
Ele: Você.
Ela: Voltar a infância só pra poder pisar na lama com o pé descalço e sentir a lama fazer squish entre os dedos.
Ele: Você, longe.
Ela: A Sharon Stone telefona e diz que é ela ou eu.
Ele: Que dúvida. Você.
Ela: Cheiro de livro novo. Solo de sax alto. Criança distraída. Canetinha japonesa. Bateria de escola de samba. Lençol recém-lavado. Hora no dentista cancelada. Filme com escadaria curva. Letra do Aldir Blanc. Pastel de rodoviária.
Ele: Você, você, você, você, você, você, você, você, você e você, respectivamente.
Ela: A Sharon Stone telefona novamente e diz que se você se livrar de mim ela já vem sem calcinha.
Ele: Desligo o telefone.
Ela: Fama e fortuna. A explicação do universo e do mercado de commodities, com exclusividade. A vida eterna e um cartão de credito que nunca expira.
Ele: Prefiro você.
Ela: Uma cerveja geladinha. A garrafa chega estalando. No copo, fica com um quarto de espuma firme. O resto é ela, só ela, dizendo "Vem".
Ele: Hummm...
Ela: Como, hummm? Ela ou eu?

.... Silêncio de 5 segundos ...

Ele: Qual é a marca?
Ela: Seu cretino!

Conselho de Mãe

Conselhos que mães dão para filhas antes do casamento fazem parte do folclore de todos os povos. Variam de cultura para cultura e mudam com o tempo, pois o que uma filha de antigamente ouvia da mãe, quando havia pelo menos uma presunção de virgindade, era muito diferente do que ouve hoje.
Como não há mais nada a ser ensinado sobre as surpresas e as artimanhas de uma noite de núpcias - a não ser o que a filha pode ensinar à mãe - os conselhos devem tratar de aspectos práticos da vida em comum com um homem.
Ou com um marido, que é o homem no cativeiro, portanto ainda mais perigoso.
Por exemplo.
É importantíssimo estabelecer, desde o primeiro minuto de um casamento, os perímetros de poder de cada um.
- Importantíssimo, minha filha. Escute.
- Estou escutando, mamãe.
- Acabou a lua-de-mel. É o primeiro dia do casamento real. Deste momento em diante vocês não são mais apenas duas pessoas apaixonadas. São coabitantes.
- Certo, mamãe.
- Entende? Coabitantes. Vão ocupar o mesmo espaço e o espaço que define a relação entre as pessoas. Não é a cama. A cama é um espaço para tréguas, negociações, troca de prisioneiros, etc. O verdadeiro espaço em que se decide um relacionamento é fora da cama. É tudo que não é cama. Você está me ouvindo?
- Estou, mamãe.
- Muito bem. É o primeiro dia normal de vocês. O primeiro em que vocês passarão mais tempo fora da cama do que na cama. O dia em que começará a se delinear a rotina do seu casamento, as regras implícitas da sua coabitação.
Você precisa deixar claro o seu perímetro de poder, desde o primeiro momento. Como um bicho marcando, com a urina, os limites do seu território.
- Ai, mamãe!
- O assunto é sério, minha filha. O sucesso ou o fracasso de um casamento dependem deste primeiro momento. Estamos falando da possibilidade do convívio humano. Talvez até da sobrevivência da espécie. Preste atenção.
- Estou prestando.
- Primeiro dia normal. Você precisa definir o seu espaço. Cravar a sua bandeira antes que ele crave a dele. O que você faz?
- Ahn... Ocupo todo o armário do banheiro com as minhas coisas.
- Não.
- Exijo uma linha de telefone só pra mim.
- Não.
- O que, então?
- O controle remoto.
- O controle remoto?!
- Da televisão. Apodere-se dele. É o seu alvo prioritário. Sua primeira ação. Sua cabeça de ponte. Quem domina o controle remoto da televisão, domina o casamento.
- Mas se ele quiser...
- Não deixe. Você está me ouvindo? Defenda a sua posse do controle remoto a qualquer custo. Ceda em outras coisas, ofereça compensações. Mas não largue o controle remoto.
- E se eu tiver que sair e...
- Leve o controle remoto. Durma com ele embaixo do travesseiro, ou acorrentado ao seu pulso. Use-o pendurado no pescoço.
- Como é que eu vou andar com um controle remoto de televisão pendurado no pescoço, mamãe?
- Você quer elegância ou um casamento que dê certo? E quem sabe? Você pode lançar uma moda.
- Não sei...
- Minha filha, ouça o que eu digo. Não faça o que eu fiz. Deixei que seu pai assumisse o controle remoto desde o primeiro dia, e ele nunca mais largou. Minha vida tem sido um inferno. Sabe por quê? Porque minha mãe não me avisou. Ela era do tempo em que essas coisas nem eram discutidas. Deus me livre, falar sobre controle remoto com o meu pai. Ele era capaz de me expulsar de casa.
- Pensando bem, o papai não larga mesmo o controle.
- Seu pai não viu mais de cinco segundos de nenhum programa nos últimos dez anos. Até dormindo ele muda de canal, o dedão não pára. Só posso acompanhar minhas novelas em segmentos de cinco segundos, de cinco em cinco minutos. Confundo tudo. Na outra noite, achei que a Jade estava de caso com um macaco do Discovery Channel.
- Acho que você tem razão, mamãe...
- Pegue o controle remoto, minha filha!
Meses depois:
- Minha filha, eu não queria lhe contar isso, mas seu marido foi visto saindo de um motel ontem à noite.
- Eu sei, mamãe.
- Você sabe?!
- Ele vai sempre que tem futebol. Para ver na televisão.
- Ah, bom. E o controle remoto, minha filha?
- Pendurado no pescoço. E sabe que muitas das minhas amigas estão usando também?


Para saber mais sobre Luís Fernando Veríssimo:

http://portalliteral.terra.com.br/verissimo/index.htm
http://www.releituras.com/lfverissimo_menu.asp
http://www.dotdotdot.com.br/lfv/
http://www.gsdr.dc.ufscar.br/~wesley/verissimo.html
http://www.consciencia.net/opiniao/verissimo.html
http://www.planetanews.com/autor/LUIS%20FERNANDO%20VERISSIMO
http://www.revista.agulha.nom.br/@lf.htmlhttp://portalliteral.terra.com.br/verissimo/biobiblio/sobreele/sobreele_imprensa.shtml?biobiblio3